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#006 - Uma colega me chamou de GOLPISTA
Ou será que foi eu que interpretei errado?
Hoje conversei com uma aluna da Pós-graduação em AHSD. Fiz a reunião de recepção com ela, eu daqui, e ela nos Estados Unidos.
Soube que lá as coisas com relação à superdotação continuam iguais ao de sempre.
Apesar do trabalho de divulgação que alguns profissionais americanos com impacto internacional, a sociedade americana em geral ainda vê o superdotado de uma forma errada, vendo apenas a inteligência e, segundo ela, "só se fala em teste de QI".
Lá, ainda, um superdotado não é alguém com uma profundidade emocional, nem com diferenças gritantes de personalidade, como a intensidade, a amplitude de consciência, ou como um indivíduo com a cognição muito ampla para entender problemas complexos do mundo e da existência.
É apenas QI alto…
Lá ainda se quer saber apenas de uma coisa: E ai, deu alto ou não deu alto?
Lá ainda não se sabe o que esse indivíduo tem que passar na sua infância e adolescência para tentar se encaixar. Lá não se sabe ainda a pressão interna que esse indivíduo sente a vida toda anunciando por explicações se freando para caber numa caixinha.
Lá ainda se espera que depois de atormentado por anos a fio, o indivíduo tenha uma fibra emocional que ele tirou sei lá de onde, para ser testado, e aí sim, laudado.
Os americanos atrás de nós. Como assim?
Mas no Brasil a superdotação virou comercio.
Superdotação ainda não está na prateleira da biblioteca, mas estará.
Superdotação ainda não está na Netflix, mas vai estar.
Superdotação ainda não está no currículo das universidades de saúde mental, mas vai estar.
Superdotação ainda não é discutida em sala de aula, nem na faculdade, nem na universidade, mas vai ser.
Há três anos estou fazendo um trabalho de divulgação dessa condição. Eu praticamente não tive um dia de paz. Tive inúmeras noites de insônia, inúmeros problemas de saúde, tudo por conta de um único motivo: não sentir que eu merecia toda essa atenção que me era dada.
Lembro que quando os meus vídeos começaram a viralizar, haviam um perfil de um indivíduo com mais de 100.000 seguidores no Instagram. Ele falava sobre AHSD, era neuropsicólogo e vendia avaliações na sua clínica. Na época, se você perguntasse como se identifica a superdotação, era dito: “Você tem que ir a um neuropsicólogo fazer testes de QI"
Pouco tempo depois desse indivíduo me bloqueou, nunca fiquei sabendo o motivo. Um ano e meio depois, recebi de alguém esse post e ai entendi:

Não sei de quem a pessoa está falando, mas sei que EU falo desse assunto, e também tenho uma pós-graduação on-line.
Seria coincidência?
Acho que não…
Nos Estados Unidos, assim como em alguns lugares da Europa, você só pode dizer que seu filho é superdotado se ele pontuar altíssimo em teste de QI.
No Brasil, alguns anos atrás era assim. Hoje já não é mais.
Deixa eu contar uma pequena história:
Miguel tem TDAH…
Estávamos tendo muito problemas com o meu filho devido à alta agitação dele. Só eu e a Daniela sabemos, assim como alguns pais que estão aqui lendo, o que passamos nesses 3 anos.
Foram praticamente três anos sem dormir direito. Só de pensar em sair pra comer fora eu já tinha calafrios. Miguel sempre foi tão agitado que não conseguia parar e sentar em um restaurante.
Paramos de comer fora.
Miguel sempre foi tão agitado que acordava 10 vezes por noite.
Paramos de dormir direito.
Miguel sempre foi tão entediado com as coisas, que paramos de nos amimar em comprar brinquedos, pois ele brincava com o presente durante só um dia.
Paramos de comprar brinquedos, e passei a fazer brinquedos com massinha de argila.
Passei a aprender a contar histórias e me envolver ele em questões imaginárias - sem brinquedos.
Desisti de fazer ele sentar nos restaurantes, e comecei a levar massa de modelar para almoçar e jantar fora, e aceitamos que, por enquanto, não podemos simplesmente sentar e comer.
Mas o Miguel tem dois pais que o entendem e o validam, e que não brigam com ele por conta do seu funcionamento.
E o Miguel não teve que fazer um teste de QI para isso. Ele poderia. Mas não teve que fazer.
Levamos ele a uma psiquiatra, quando tinha 2 anos e meio, e ela o diagnosticou com altas habilidades e TDAH. Ela diagnosticou isso com base na observação do comportamento, com base no nosso relato, com base no seu raciocínio clínico.
De lá pra cá temos lidado bem melhor com ele. Principalmente eu, que sou impaciente.
Ele está usando canabidiol, e alguns dias até senta e come sozinho, enquanto ouve uma hisória.
Mas nada disso teria acontecido se o paradigma para qualquer mudança fosse a necessidade de um teste de QI.
Mudança de paradigmas
Sim, superdotação virou comércio.
Superdotação virou comércio, mas antes era o quê?
Superdotação virou assunto de podcast, e antes era o quê?
Superdotação virou o tema de Lives de Instagram, e antes era o quê?
Superdotação virou o tema de perfil de Instagram, e antes era o quê?
Superdotação virou assunto de TV, assunto de programa de rádio, revista, e antes era o quê?
Não sei. Quando eu descobri que tinha isso, lembro de ter passado 4 semanas vasculhando a internet, e achei pouca coisa interessante ou útil em português. De lá para cá tem surgido pessoas falando disso com tanta propriedade e de uma forma extremamente interessante. Algumas já estavam falando antes, e receberam uma chuva de tráfego. Outras simplesmente começaram a falar - como a minha querida colega do post - e hoje trabalham com isso. Uma aluna minha da Pós, Thais, me disse semana passada que lotou sua agenda até Março depois de ter acesso ao conteúdo da Pós em AHSD.
SUperdotação ainda é um oceano azul. Mas isso vai mudar. Já esta mudando. E Rápido (estamos falando de indivíduos mais velozes).
Não precisa de QI?
O paradigma vai mudar no mundo, e já mudou no Brasil, ou em parte dele. Tenho um papel importante nisso.
Meu papel é repetir mil vezes: o teste de QI é o melhor instumento, mas não confunda a ferramenta com o que ela mede. Superdotação é muito mais do que um alto QI. E quem só trabalha simplesmente atestando QI tem todo motivo do mundo pra ficar irritado comigo.
Há prós e contras em mudar um paradigma, qualquer que seja, e eu estou ciente dos lados positivos e negativos tanto de permanecer quanto de mudar, e sei: com certeza eu preferia estar no Brasil de hoje e não nos Estados Unidos que minha aluna relatou para ter alguém olhando meu filho.
Há uma guerra entre os profissionais que não querem mudar, e os profissionais que estão mudando ativamente as coisas. No meio disso, há profissionais em cima do muro, com medo, hesitando. Ao lado deles há milhões de “Miguelzinhos” que vão sofrer a ira dos pais inconformados e impacientes e talvez a negligência sem culpa das mães sobrecarregadas, além do descaso da escola.
Eu pensei bem nisso, por muito e muito tempo e escolhi meu lado.
Eu vou de: "teste de QI, hmmm… ótimo, mas o que mais você tem pra mim aí?”
Eu disse que fiquei 3 anos duvidando de mim mesmo e me sentindo impostor? Pois bem, minha virada de chave foi quando uma mãe, em um evento que fui, chorou na minha frente e me disse olhando nos meus olhos:
“Jean, olha aqui, esse é meu filho, ele tem 6 anos, e tudo que você fala descreve 100% o comportamento dele, e eu te digo que toda vez que você duvidar, se você lembrar de mim, e lembrar que meu filho não tem um Jean em casa, você vai ter força pra enfrentar qualquer dúvida, qualquer síndrome de impostor, equalquer perfeccionismo.”
Funcionou.
Obrigado Silvia! Sua coragem me libertou, e eu vou retribuir!
Toda vez, desde esse dia, que penso em desistir lembro dessa mãe, e também desse menino aqui:
Esse era eu, com a minha famosa cara melancólica que aparece em toda foto da infância
Há uma batalha acontecendo sobre a superdotação.
O resultado dessa batalha será a forma como vamos identificar e desenvolver o tipo de indivíduo que mais produz impacto no mundo.
O meu lado está ganhando por enquanto. E o lado de lá pode atacar sem honra, pelas costas, mas vou lembrar da Silvia, do seu filho, do Jeanzinho e do Miguel. A Silvia, sem querer, me deu um escudo contra esse tipo de rasteira.
Se você quer que as coisas continuem como eram: ninguém sabendo o que é ser um superdotado ou os indivíduos sendo definidos pela sua nota de teste de QI (teste que fizeram muitas vezes num ambiente nada confortável, intimidador e angustiante), e tendo toda a adequação curricular, toda empatia e cuidado negada pelo resultado abaixo de 130 é só não fazer nada.
Eu não quero um mundo onde uma pessoa que já foi invalidada desde pequena tenha que provar sua capacidade para receber o mínimo de dignidade.
Eu não quero que o Miguel me prove nada. Não quero que seu filho prove nada. A responsabilidade de perceber o tamanho do potencial é do adulto e não da criança.
Eu não quero o mundo onde o Miguel tem que ter um score 131 para poder ser bem atendido por um psicólogo ou psiquiatra, ter um score 131 para poder ser bem atendido por um professor, ou ter um score 131 para ser atendido por psicopedagogos ou qualquer profissional.
Abomino esse mundo. Quero distância dele.
Um mundo onde a banalidade do mal destrói o potencial.
Nós deixamos os nossos superdotados sozinhos até agora.
Nós deixamos eles morrendo aos poucos, sofrendo com a falta de sentido, com a falta de motivação, obrigando os a fazer coisas que não os desafiam, obrigando-os a viver abaixo do seu potencial, fazendo com que terminassem tarefas inúteis, para projetos inúteis.
Ninguém me resgatou e nem me deu um trabalho a fazer. Isso era tudo que eu queria.
Ninguém me resgatou e nem me deu uma missão. Isso era tudo que eu precisava.
Ninguém me resgatou e me fez ver um sentido, e por isso eu anseava.
Será que já não temos maturidade suficiente para conseguir observar os fenômenos comportamentais, emocionais, cognitivos, de excepcional inteligência?
Será que somos cegos? Será que somos surdos ?
Será que a inteligência e criatividade e a genialidade precisa berrar na nossa cara e dizer: “eu estou aqui!?”
Eistein ficou triste quando viu que sua invenção serviu para matar pessoas, mesmo que ele soubesse que isso seria possível.
Será que Alfred Binet e Théodore Simon, criadores do teste para aferir a inteligência, gostariam do que estamos fazendo com as ferramentas que criaram?
Usamos testes para dar passagem na fila da dignidade escolar, na fila da diginidade social. É isso que é o bom uso do teste? Um dos melhores instrumentos para aferir capacidade que já foram inventados - e é assim que nós os usamos?
Talvez os inventores nos diriam: “Vocês estão me dizendo que estão barrando acesso à educação, acolhimento, dignidade, atenção por parte dos professores, por conta de uma nota nesse teste que fizemos”?
"Você só podem estar malucos…”
***
O futuro está sendo escrito agora
Daqui a 10 anos todo mundo vai saber o quão complexo é o sofrimento de um superdotado, ainda mais em um país que não o valoriza, numa escola que o boicota, e numa sociedade que o faz sentir inadequado.
Alguns profissionais vão ser refência nesse futuro. Uns por que chegaram antes. Outros por que são realmente os melhores.
Outros vão tentar voltar para o passado, e outros vão continuar indecisos, apenas observando.
Quem vai construir esses próximos 10 anos junto comigo ?
Eu sei o que eu consegui fazer em 3 anos: mais de 15 milhões de visualizações, a criação do melhor curso de Pós-Graduação sobre o tema, talvez o curso com mais alunos do pais, milhares de depoimentos nos vídeos dizendo que meu conteúdo os ajudou a passar por esse tormento que é ser tão profundo no meio de tanta superficialidade.
Não quer dizer que eu não tenha errado nesse caminho. Errei muito. E todos os meus erros doeram muito. Me feriram. Alguns cicatrizaram, outros nunca vão.
Mas meus erros não definem meu valor e nem tornam manos louvável minha intenção de ajudar. E meus erros, todos eles, me ensinaram muito nesses 3 anos.
Se os últimos 10 anos já foram construídos por um perfil de profissional, e chegamos onde chegamos, já sabemos que tipo de profissional não procurar o que deve mudar.
Profissional:
Que tipo de profissional você será: o reacionário, passivo-agressivo, ou aquele que timidamente vem, faz sua contribuição, e, mesmo criticado e julgado, continua fazendo o que acredita ser o certo?
Se você quer escrever o futuro da superdotação.
Queremos você na Pós-Graduação em AHSD.
Queremos libertar mais mentes.
Se quiser fazer melhor junto comigo:
Seja aluno da Pós-Graduação em AHSD - https://yayforms.link/1bBwav6
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