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- #5 - Pare de mentir - sobretudo pra você
#5 - Pare de mentir - sobretudo pra você
E ache o caminho de volta

*texto transcrito de uma aula:
A mentira está no cerne das maiores catástrofes humanas, sejam pessoais ou sociais.
A compreensão de que você se enganou, ou está se enganando costuma ser tardia, um fenômeno que pode ser explicado pelo viés cognitivo da compreensão tardia, ou pelos fenômenos Freudianos da negação e da projeção.
Viés de compreeensão tardia:
Esse viés é uma tendência do pensamento que te leva a entender algo apenas depois de sair da situação. Quando você sai de um relacionamento que não era para você, de um emprego ou projeto inadequado, a prova de que aquilo não era para você se torna escancarada.
No entanto, quando você está vivendo a situação, essa evidência não é tão clara.
No momento em que seu ego é ferido, ou percebe a possibilidade de o ser, ele ergue uma muralha.
Projeção é quando jogamos no outro aquilo que não queremos ver em nós. Comum no caso de narcisistas, que negam profundamente que erram, que são falhos ou que t6em defeitos, colcoando sempre em você o problema. O ego, que foi extremamnete mal formado, se protege projetando para fora dele o problema.
Já a negação é a recusa em aceitar a realidade desconfortável, que é quando o indivíduo pode ficar na defensiva, dando desculpas como se o erro fosse menor, ou menos grave, ou como se não tivesse acontecido.
Quero que você veja o óbvio antes de ele se tornar óbvio.
Você provavelmente se enganará 3 vezes até esse dia acabar, com coisas extremamente importantes…
***
Um bom terapeuta, consciente desse problema, pedirá que você não minta durante a terapia.
Toda a informação que você compartilha com o terapeuta é a única informação que ele possui sobre você.
Se você está acostumado a mentir para si mesmo, é muito provável que você compartilhe informações distorcidas ou falsas com o terapeuta. Nesse caso, o terapeuta não terá como ajudá-lo, pois suas intervenções serão falhas, já que o alvo a ser atingido é algo que nem o paciente admite onde está.
Assim que você se perde aos poucos.
Sem nem mesmo ver.
Ninguém acorda um dia e decide mentir para si mesmo de forma patológica.
As pessoas costumam se perder por meio de um ocultamento gradual que dificulta a percepção de quando foi que se desviaram do caminho da verdade.
Um desviozinho aqui, uma mentirinha ali, até que você se torna irreconhecível para si mesmo.
Você mascara tanto sua experiência que se torna a própria máscara, dificultando o processo de reparo, pois você não sabe nem por onde começar a se procurar.
No entanto, você sente, quase sempre, uma sensação de falsidade quando está mentindo para si mesmo.
Você sente isso principalmente na sua voz. Nossa corda vocal é um músculo muito, muito pequeno - e sensível. Ele sofre intensamente com a modulação das emoções.
Além disso, você também uma sensação de bagunça, de caos, de um certo eco baixinho que pulsa no seu estômago, dizendo algo como: "isso está estranho, não está certo; tem algo errado…
A má influência é um dos fatores que te tiram do caminho.
Consideramos como má influência o comportamento, valores e conquistas alheios que exercem um poder sedutor, que te tira do seu cerne, e faz você buscar algo que faz sentido só para o outro, mas que você erroneamente acha que fará para você.
A influência negativa te atrai e seduz…
Já a influência positiva te revela aquilo que é genuíno e autêntico em você. Freud chamaria isso de identificação.
Pessoas que você admira te fornecem um espelho para revelar aspectos genuínos de você mesmo, que estão num estado de potencial para serem desenvolvidos.
Ao se tornar mais parecido com essa pessoa, você se torna mais próximo de quem realmente é, ou de quem pode ser.
Uma das razões pelas quais as pessoas sofrem essa autocorrosão e se perdem em meio a mentiras é o baixo conhecimento de aspectos de sua identidade, personalidade ou de seus interesses.
Aprendemos isso na escola de forma intensa - minar o interesse, parecer com o grupo e minar nossa individualidade…
Se você não tem seus valores bem definidos e sua personalidade consolidada, você pode sucumbir à pressão externa, motivo que faz o jovem ser vítima disso o tempo todo.
As pessoas mais inseguras se deixam influenciar por indivíduos mais convincentes e confiantes, encarando as ideias desses indivíduos como verdades por conta da confiança em que essas ideias são proferidas, quando na verdade, os idotas costumam estar mais certos do que os sábios.
Essa influência se manifesta também na esfera intelectual. Quando você ouve professores interpretando textos, autores ou fatos históricos, e não está acostumado a ouvir sua intuição, você pode acabar aceitando essas interpretações como verdades absolutas.
Não me venha com relativizações: "ah Jean, mas um texto têm inúmeras interpretações, e ninguém sabe qual aintenção do autor”
Blá Blá Blá!
Se você chega na sua casa e alguém deixa um bilhete:
“Compre maçã e bananas” e você compra fermento, você errou, certo?
Existe uma experiência verdadeira e uma experiência falsificada.
Existe a verdade!
Quer a prova:
Pule de um prédio de 18 andares e você se estraçalhará. Tenho certeza.
Ponto! Relativize isso…
Não dá, certo?
Bem…
É comum que as pessoas imaturas, feridas ou em conflito se abalem emocionalmente e duvidem de suas crenças diante do primeiro argumento contrário.
Se suas crenças, ideias e experiências não estão bem definidas, você tende a esconder o que realmente acredita por medo de ser questionado ou rejeitado.
Você constrói sua personalidade ao observar pessoas que você admira, e elas revelam aspectos de si mesmo que você não conhecia ou que estavam adormecidos. A admiração que sente por essas pessoas muitas vezes se deve aos valores e virtudes que elas cultivam de forma expressada.
Ou seja: elas MOSTRAM para você que são algo que você QUER SER. Ou pdoeria ser.
Os Dois Espelhos

Para ilustrar essa ideia, imagine dois espelhos: um espelho revela aspectos reais de você, enquanto o outro espelho, distorcido, apresenta uma imagem deturpada.
As pessoas com as quais você se relaciona são esses espelhos.
Algumas relações revelam aspectos verdadeiros, enquanto outras criam aspectos falsos, como se fosse uma máscara para se encaixar ou para evitar a rejeição.
Esse ruído confundidor, essas pessoas que te oferecem ideias, soluções ou ideologias que parecem verdadeiras, mas que na verdade não são verdadeiras para você, distorcem sua percepção, e sua percepção distorce suas emoções, confunde sua experiência interna.
Imagine olhar para um espelho que sempre o mostra de forma distorcida, fazendo você se ver menor do que é.
Apesar de saber que não é daquele tamanho, você acaba confiando mais na imagem do espelho do que na sua própria sensação, já que a imagem do espelho não titubeia um segundo sequer, já você está confuso.
Esse processo ocorre em todas as esferas da vida: trabalho, relacionamentos e vida intelectual.
A distorção da percepção, o gashlithing é um dos problemas mais graves que você enfrenta, pois a percepção é a entrada de informação.
Se sua percepção está distorcida, tudo o que você usa para formular sua identidade e suas crenças está entrando de forma distorcida, contaminada por informação falsa.
Essa informação falsa vai se acumulando, e culminando numa crença.
No meu caso: crença de desvalor.
Tudo que eu faço é menos.
Tudo que eu consigo, não vale tanto.
Tudo que eu sei, não é tão impressionante.
É como se houvesse uma dismorfia existencial, uma dismorfia de identidade, onde você se vê de forma distorcida.
Você está num Gashlight com você mesmo?
Gaslighting é um tipo de abuso psicológico que consiste em manipular uma pessoa para que ela duvide da sua percepção, memória e sanidade.

cartaz do filme
O termo surgiu após o filme À Meia-luz – ou Gaslight (1944), que conta a história de um homem que chantageia a sua parceira, distorcendo fatos, omitindo informações de forma seletiva, inventando informações, fazendo a vítima duvidar da sua memória, sanidade ou julgamento.
Uma das frases mais comuns ouvidas por pessoas que vivem relacionamentos patológicos é: "Não sei se estou enlouquecendo, se estou vendo a verdade". Essa é a manifestação da dismorfia de percepção, da percepção distorcida.
Com o tempo, as pessoas que passam por isso questionam tanto suas próprias percepções que o mecanismo de dar sentido aos fatos se patologiza, e elas se veem à deriva, anos depois, e nem sabem como foram parar ali.
Adultos que não se conhecem. Que se percebem de uma forma completamente diferente da forma acomo os outros os percebem.
As pessoas próximas dizem:
“mas você é tão bom nisso"
"mas você faz isso tão bem"
E eles dizem: “eu sou péssimo, está horrível, nada está minimamente bom…”
A tendência mais fácil é sempre para uma autoalianação, para se encaixar, para se submeter ao grupo, à verdade, à lei, à regra ou ao grupinho, e portanto para mascarar quem realmente é, pois você provavelmente deve ter vivido muito tempo respeitando pouco sua percepção.
O medo da rejeição, de não ser amado ou de ser visto como esquisito, te impede de abraçar sua essência.
Seguir sua verdade exige muito mais energia do que mentir para si mesmo.
Seguir sua verdade implica rejeição.
E rejeição dói, especialmente se você foi muito mais invalidado do que acolhido. O acolhimento é nosso antídoto contra a rejeição, pois quando nos acolhem, nos mostram por que nós devemos nos achar “gostáveis".
Um ponto importante a pensar no meio do furacão é:
Pelo que você está disposto a se sacrificar?
Falar o que você acredita e perseguir seus sonhos exige sacrifício.
Você precisa abrir mão do prazer momentâneo, do conforto e da fuga da dor.
Você terá que enfrentar conflitos, confrontar as pessoas e defender seus valores, o que é estressante.
Mas é necessário. É uma aposta necessária, sem garantias, um ato de fé.
Eu lutei com isso por 3 anos quando falava que a condição de superdotação poderia se identificada de uma forma mais abrangente, enquanto pessoas que estavam nesse campo a um tempo me criticavam abertamente, me colocando até mesmo como picareta.
Mas você, depois de tanta rejeição, não gosta andar na fé, não é mesmo? Você deve preferir, eu presumo, garantias. Fé não é garantia. Fé é confiança. E você não tem mais nenhuma…
Para descobrir o que tem sentido para você, faça o seguinte exercício:
Pense e responda: como seria um dia interessante para você, se ele se repetisse eternamente?
Imagine um dia que se repete para sempre. Como ele teria que ser para você gostar dele? O que você estaria disposto a dar em troca do prazer momentâneo ou da fuga da dor?
O que traria justiça para essa troca, já que você está abrindo mão do certo, mas não do verdadeiro ou do ideal, em troca de algo incerto?
Para que a troca seja justa, seu dia, sua luta, tem que ser muito significativos. Caso contrário, será impossível justificar a troca.
Se você pensar em um dia cheio de prazer, de liberdade para fazer o que quiser, você perceberá que o prazer, por si só, não é um bom guia. Ele sozinho leva a uma vida que se esvazia de sentido em longo prazo.
Seu sistema de adaptação faz com que o prazer se torne cada vez “menos prazeiroso”. Experimente comer chocolate todos os dias por um mês para ver como o prazer diminui.
Para se "rastrear" de volta, como faço?
As duas pistas mais importantes costumam ser o medo de não ser aceito e o medo de errar.
No entanto, muitas vezes é quase impossível rastrear o ponto exato em que as coisas desandaram.
Algumas pessoas mentem tanto para si mesmas que não conseguem encontrar nenhuma memória sólida de onde foram verdadeiras.
É muito difícil ajudar essas pessoas, pois você parte do nada, sem nenhuma referência para analisar as situações.
Ela precisaria adotar uma postura de autenticidade extrema para sair disso:
"Não vou falar mais nada que não seja verdade", "Não vou entrar em mais nenhum projeto que não acredito plenamente", "Não vou mais alimentar nenhum relacionamento que não tenha significado evidente e sólido".
Um outro guia importante é o seu interesse. Você não controla aquilo que lhe interessa, mas quando se interessa por algo, sua atenção é capturada, sua percepção, emoções e ações se alinham, como uma flecha que vai destruindo tudo em seu caminho.
Esse é o chamado flow.
Perseguir aquilo que lhe interessa é um treino, pois fomos ensinados a não perseguir nossos interesses desde a infância e a fazer o que mandavam.
Copie. Decore. Obedeça e não questione!
Ao perseguir seus interesses, por outro lado, você pode perceber que várias partes de sua personalidade se unem.
Você se manifesta de forma diferente com o cônjuge, no trabalho, com os pais, certo?
Mas quando fala de algo que lhe interessa, você se torna integrado.
O momento de interesse é o momento de integração das suas partes.
É quando as camadas de quem você é se juntam, e isso é um poderoso guia.
Mihaly Csikszentmihalyi fala da experiência do flow, uma experiência de total engajamento em uma tarefa, onde você não percebe a passagem do tempo e os limites do seu eu. É quando você está tão focado em algo que se esquece de quem é.
Quando seu interesse se manifesta, as coisas, as situações, as ideias e as memórias começam a se encaixar.
Podemos dizer que toda experiência de sentido cura, e toda experiência de falta de sentido adoece.
O estresse produzido pela falta de sentido te adoece, inflamando seu corpo.
Os monges que meditam em isolamento, por exemplo, muitas vezes não adoecem psicologicamente pela solidão, apesar da solidão ser considerada uma experiência negativa. Para esses monges, o isolamento tem sentido, pois foi escolhido por eles.
Já a sala solitária é a pior punição nas cadeias porque coloca a pessoa em uma situação que não faz sentido para ela, obrigando-a a viver uma experiência que não é sua escolha, e sozinha.
Então vemos: a experiência de ficar isolado pode ser produtora de sentido, se ela for escolhida deliberadamente, mesmo que seja uma experiência desafiadora, ou pode ser tortura, se não fizer nenhum sentido e for imposta.
Na escola e na faculdade, muitas vezes você é treinado a calar suas dúvidas e a seguir os interesses dos outros.
Na faculdade, a exploração do conhecimento se torna um processo de minar o instinto de aprendizagem. Você é obrigado a interpretar textos, autores e fatos históricos, sem espaço para questionamentos ou ideias inovadoras.
Poucos professores permitem discussões reais, questionamentos e abertura de ideias. Principalmente quando esses questionamentos desafiam suas próprias crenças pessoais.
Você é treinado a esconder suas dúvidas, a não questionar o raciocínio do professor, por medo de ser ridicularizado.
É estranho pensar que você é treinado a viver mentiras, a esconder a verdade e a calar suas dúvidas.
Mas é…
A universidade muitas vezes se torna um espaço de hegemonia ideológica, onde quem questiona as ideias dominantes é imediatamente enquadrado como um sujeito do mal.
A experiência de perseguir a verdade é rara, e poucos são os lugares onde você pode se sentir confortável para falar a verdade.
Uma pessoa que vive uma mentira por muito tempo pode ser facilmente diagnosticada com algum transtorno mental. As caixinhas diagnósticas do DSM se encaixam perfeitamente nesse perfil.
Uma pessoa que não consegue se conectar com seus interesses, que lê vários livros sem terminar, pode ser diagnosticada com depressão, déficit de atenção, etc.
O diagnóstico clínico eficaz é comprometido pela falta de testemunho fiel da própria pessoa, que está escondida por trás de uma máscara de medo e vergonha.
Para melhorar, na psicoterapia, você precisa de dois elementos: a real participação, a responsabilidade perante o sofrimento, e o testemunho real, sem distorções.
Mas…
A verdade, quando encontrada, pode valer mais do que todas as experiências falsas que você viveu.
Indivíduos altamente individualizados, com uma identidade coesa, afirmam com segurança seus gostos, seus objetivos e suas crenças. Eles demonstram coragem, inspirem a autenticidade em nós.
Muitas vezes, você tem medo de definir o que é verdade para você, pois, ao definirmos quem você quer ser, você cria um critério para que as pessoas te julguem e te rejeitem. Você foge da rejeição sendo um camaleão social.
O medo de não conseguir seguir sua jornada e de ser rejeitado te impede de definir quem realmente é. Mas se você não define nada, também sofre.
E se você vai sofrer de qualquer forma, por que não sofrer por algo que faz sentido?
Escolha então!
Sustente!
E sinta a dor…
Pelo menos ela terá sentido.
E quem disse que a vida não precisa de MUITA dor?
Certamente é preferível muita dor a pouco sentido.
Quando você olha para a situação difícil como se tivesse escolhido, você a enxerga como um desafio, e encontra oportunidades de aprendizado.
O desconforto se transforma em desafio, a passividade em ação ou observação, e as emoções negativas se transformam em curiosidade ou neutralidade.
Pense o seguinte: se seu cérebro foi feito para disparar dopamina quando encontra algo novo, e se isso gera prazer, e cria novas partes de você…
Seu cérebro é feito para você aprender e se sentir bem com isso.
Não se preocupe com dinheiro, com a opinião dos outros, ou com se seus professores vão aprovar suas ideias. Persiga seu instinto de aprendizado e de significado.
Limpe as distorções entre aquilo que você vive e aquilo que você deveria viver.
Limpe as influências externas e o espelho distorcido, e tente se conectar com o que realmente faz sentido para você.
Comece a observar tudo: o que você valoriza, as influências negativas e positivas, e as situações como se você tivesse escolhido estar nelas.
Isso reduzirá seu sofrimento, a evitação e te levará mais perto da verdade, longe da distorção.
Perceba o que realmente está acontecendo. Aprenda com isso. Não distorça mais a vida.
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